terça-feira



A Febre



- Eu falava e calava como quem não quer nada, me entende?

- Mas o que você precisava tanto saber, Macaco?

- Você sabia que a professora é suspeita de um roubo de diamantes em sua cidade natal? Dizem que veio pra este fim de mundo pra fugir da polícia e coisa e tal.

- Pois eu acho que aqui é na verdade o início de tudo. Já viu esse mar? Isso é um berçário de criaturas marinhas, meu caro. Fim de mundo, não!

- O quê?! Eu tô falando da professora; fica ligada Cacá!

- Mas fim de mundo não combina de jeito nenhum com este paraíso... Mas fala, a professora é suspeita, né?

- Pois é, então eu ficava ali só na boa, ouvindo e a dona não podia imaginar como o mundo é pequeno; ela estava ali na minha frente a falar como se fosse transbordamento de represa.

- Você já a conhecia?

- Pra você ver... ela não era do meu tempo. Cheguei em meados de 95 e ela tinha ido embora um ano antes.

- Mas perguntou a ela isso? Ela não achou estranho?

- Perguntei nada! Não precisava, ela praticamente vomitou sua vida na vila. Vomitou 47 anos. De uma vez, direto.

- E a professora, Macaco...

- Peraí! Ela me disse que a professora está agora completamente insana, desvairada... E que os diamantes nunca foram encontrados. Você imagina só, existe uma fortuna por aí, escondida em não sei onde, é demais, né não?

- Tomara que os diamantes tenham sido enterrados. Após estes anos todos, aposto que a Terra já os engoliu.

- Que é isso, Cacá?

- É, é bem provável, a Terra os engoliu e tudo como dantes no quartel de Abrantes! Conhece a antropossofia, Macaco?

- Ai, peraí Cacá! Pô! E se eles estiverem escondidos aqui na vila mesmo? A mulher falou que a professora antes de pirar, confessou pra uma das irmãs do convento. Essa irmã que não era nenhum padre contou para a tia, que contou para a prima e aí vai...

- Telefone sem fio! Já brincou disso? É impressionante, né? Quase nunca o que entra no ouvido do primeiro sai pela boca do derradeiro.

- Vou te falar uma coisa, Cacá, é demais! Deixa eu contar! São diamantes de uma pureza só. E enormes, valiosíssimos realmente. Dei uma olhada nos jornais da época. É tudo verdade, as provas eram incipientes ou algo assim e a investigação empacou uns dois anos após o surto da professora.

- Deve ter sido a febre do diamante, Macaco.

- Que febre do diamante?

- Que nem a febre do ouro. Deve existir a febre do diamante, com certeza deve ter...

- Cacá, por favor!

- Tô sentindo um cheiro de aipim cozido. Peraí, respira aqui.

- ...

- É você. Deixa eu ver, hummmm, tá com a testa meio quente. Cê tem um termômetro aí?